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sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

29/01/2017

No fim das contas, quando a lágrima para de escorrer farta cara abaixo, sinto pena. Talvez uma compaixão que me tenha sobrado no fundo do peito, por quem — como tu, não entenda a nada. Pena de quem abraça ao medo, carrega o medo consigo, pesado e sólido feito rocha atrelada às costas. Pena de quem se deita com ele e não sonha, treme de frio. Pena de quem pegue apego pelo medo, pela dúvida, pela confusão caótica e ruidosa que causa tanto estrago por dentro, que nem se tem como mensurar — sem cura. No fim das noites, sinto pena de ti. Tanta beleza posta fora, tanta alma desperdiçada, tanta vida desvivida tu tens. Quanto desvario, quanta perdição, quanta solidão tens cultivado. Quando desamor tens alimentado, quanta semente de hipocrisia tens regado com afinco, em vez de tratares de sentir alguma ternura, algum afeto, alguma simpatia por alguém que passe. Em vez de arregaçares as mangas para construir cerca branca que circule a casa que também querias, com capela dentro, engendras arames farpados em torno das próprias mãos. E feres. Sinto pena de ti. Pois morreram à míngua teus sonhos, teus futuros, tuas asas, tuas cidades que seriam percorridas de mãos dadas. Morreram teus espelhos, tuas palavras, o dom que renegaste e que a elas pertenciam. Morreram o brilho dos teus cabelos e as cores dos teus olhos que, agora, ninguém vê. Morreram tuas manhãs e rasgaram-se as tuas vestes brancas para sempre. Jamais terás varandas novamente. Tua mesa singular, tuas solidões plurais. Morre o sentido da canoa ancorada, quando fizeste dragar o rio. No fim das coisas, lamento pelo todo que recusaste ser de ti. Pelo que nunca serás, nunca mais. No entanto, agora serei livre. Finalmente, livre.


06/01/2017

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