Hoje
ele me fez entender um pouco mais. Avanço, cada vez que recebo das mãos dele o
carinho que tem. Me levou a entender por
mim mesma, que a dor que sinto é de outra natureza: a dor de lamentar pelo
semelhante que se recusa a encontrar-se consigo mesmo. Lamentar pelo que
segrega, pelo que agride, pelo que afasta de perto o diferente. E é justamente
o diferente que tem algo a nos ensinar. Quando apartamos o diferente, perdemos
nós. E é lamentável que assim seja, que assim sejam as pessoas, incapazes de assimilar
novas coisas, novos pontos de vista, óticas que somariam às suas; pessoas que
se sentem ameaçadas pelo que o diferente tenha a trazer. Pessoas que se recusam
a acrescentar às suas vidas o que elas não tenham. É lamentável quando pessoas
reduzem, minimizam, empobrecem suas existências repetindo eternamente mais do
mesmo, sem adquirir a nada. Ele me conduziu até que eu chegasse à conclusão de
que não perco: só ampliei a minha capacidade de amar. Quem perde é quem deixa
de conhecer ao que levava comigo — justo essa capacidade ampliada de amor, de
dedicação. Estive lá num mundo que não era meu e observei, assimilei, aprendi
mais e mais, conheci, ofereci. Mas eu era diferente. E, por tanto, não encaixei
no “mais do mesmo”. E a dor que senti ao ser “convidada a me retirar”, foi
esta. Happy Feet. Ele me fez ver que nada foi feito em vão, no entanto. Foi
para abrir meus olhos e redirecioná-los para o lado de dentro, onde o Perfume
das Palavras sempre esteve e sempre estará — coisa que poucos têm na
autenticidade que é! E é. Como é! Como é legítimo tudo que expresso e sem medo,
sem receio, sem reservas, sem muros erguidos ou máscaras! Como é verdadeiro
aquilo que concluo e traduzo para outros corações diferentes do meu, mas que
levam as mesmas questões para a frente dos seus espelhos! Como me disse a amada
Hanneh, a espada de Arthur, removida pela força da Verdade! E quem pode
compreender tamanha metáfora? Disse-me ele: — é hora de cuidares de ti, somente
de ti, de seres a tua prioridade. Sim, porque é chegada a hora dos curativos e
dos curandeiros, dos amorosos e dos cuidadores, dos endereços corretos onde
residem as reais famílias (de laços de alma não-consanguíneos). É chegada a
hora dos achados — não dos perdidos. Daqueles que aceitaram a proposta de virem
ao mundo para promoverem ao Bem Maior, ao Amor humano, ao conteúdo rico de
parábolas e epístolas. É chegada a hora Crística de distribuirmos o que temos
em comum com o Criador de todas as coisas: a ternura, a atitude, a iniciativa
de dirigirmos um gesto bom a quem precisa. Os perdidos não se perderam por
acaso: se perderam por passarem tempo demais em torno de si mesmos e dos
próprios efêmeros passatempos. Estão ali, batendo cabeça e se chocando contra
os próprios muros, sempre mais dos mesmos muros. No preconceito, no
egocentrismo, na auto-satisfação, no excesso de egos e verdades ditatoriais.
Não se perderam por acaso, mas por se recusarem a atravessar tempestades, não
forjando em si a força necessária que daria aos braços, sentido em serem o que
são! Se recusaram a proteger a Centelha enquanto sobreveio a tormenta, não
tornando a si mesmos os defensores de seus direitos a sentirem o que os faria
felizes de fato, deixando de exercerem quem poderiam ser na totalidade. Ele me
fez ver o que, ao fim, de tudo me dói tanto. E é isso: constatar. Que se
acovardam, que se acomodam, que se contentam com menos; que se afastam do
diferente por não conseguirem entender a nada; que apartam e segregam, por
pavor de se descobrirem devendo tanto a si mesmos. Sim, dói. Porque gostaríamos
de comungar com aqueles por quem temos apreço, das conquistas e das
descobertas, dos achados e das riquezas que trouxemos das profundezas de nossos
mergulhos no Eu Superior. Gostaríamos de nos sentarmos à mesa, tendo ao que
dividir e partilhar, na Ceia do Entendimento. Ao fim ele me perguntou: queres
mesmo voltar a sofrer pelo que se repetirá? E perguntei de volta: e não estou
sofrendo agora, querido? Aí ele respondeu: — sim, mas a dor que sentes não é a
de quem perdeu, mas de quem tinha tudo a oferecer e não quiseram — a dor de
estares sendo tu, perdida pelos outros; e o que tens aí dentro é bonito demais
para ser jogado fora. Essa dor, passará quando te despedires do que não foi
grande o bastante para te abrigar de coração. Mais tarde, nessa mesma noite,
outras palavras vieram quentes aos meus ouvidos: lembra de como eram aquelas
que nos criaram: removiam as pedras de nossos caminhos para que não nos
machucassem. E ainda colocavam as mãos sobre as nossas cabeças para que não
caíssem pedras sobre elas. Hoje, somos nós mesmas quem temos de remover nossas
pedras, onde quer que elas estejam — e às vezes estão postas por quem tanto
amamos um dia. Sinto uma imensa gratidão por esta noite que inicia Março.
Porque, ao fim de tudo, é meu nome escrito para sempre logo abaixo da frase: —
Vento Passando Entre as Minhas Mãos.
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