Não
posso voltar atrás. As coisas que sou são assim, definitivas, Meus lábios não
sabem ser outra coisa, nem querem perder-se do que são a troco de nada. Meus
braços foram desenhados assim, fortes e magros, morenos e querem abraços. Não
podem voltar atrás. Não querem. Não quero, nem poderia — foi longa a vinda e se
cheguei aqui com a permissão do pai, é porque mereço ser o que sou. Não tenho
como voltar atrás. Não volto. Não volto para onde me acorrentam o propósito de
sentir, os tatos todos que levo comigo em perfeito estado, funcionando bem. Não
posso ocupar de novo aquele invólucro inútil, invalidada no que sonho, sem mim.
Não podem voltar atrás meus olhos que seguem vendo sem venda alguma ao que é e,
ainda assim, vendo a verdade estampada desfilando, concedem amor a quem passa.
Eu passei. E era pura de intenções. Mas não gostaram de mim como sou. Puseram
algemas nas minhas mãos que não podem voltar atrás no que almejam em carinhos.
Elas querem ser mãos. São mãos. E fazem muitas coisas para muitas gentes. Só
não empunham armas, nem atacam ainda que pudessem. Mas não podem voltar atrás —
são mãos vazias sustentando luz. Não posso retroceder ao passado, se há um
futuro melhor que tudo. Nem ficar para sempre adiando o que precisa ser vivido
para que exista. Em dois corpos, em duas decisões dizendo sim. As coisas só
existem quando são aceitas e passam a existir dali em diante, daquela chave que
precisa ser virada. Mas não posso voltar atrás, entende! Minhas pernas não
podem voltar o tanto que já trançaram. Já sabem como se dá o laço e o encaixe
perfeito. Não querem mais, nunca mais serem enganadas, quando levadas ao
matadouro. Se conheci a alegria máxima, não posso voltar atrás, ao menos, ao
pouco, ao raso, ao só. Liberdade demais, 100% dela e tudo será 100% só. Solidão
que dói no osso, na pele, na cara do dia seguinte sem voz, sem palavra, sem
prece nem vela acesa. Na culpa, na remissão, na desistência, na quebra da
continuidade. O mar existe porque as ondas continuam. É preciso continuar, não
voltar atrás. Reis não passam ao cargo de súditos. Não posso voltar a tudo que
falta e é muito o que falta. Sobram incertezas e elas agora desfilam vestidas
de hábitos, como Freiras que escolheram o celibato. Mas meus lábios querem o
encontro da fina pétala que deita sobre outros lábios tomados de orvalhos
concedidos. E são os lábios que constroem amizade com outros. Mãos que se
amigam de outras, pernas que se vinculam a outras. É assim que se torna tudo
perfeito. Quando se diz um sim à vida e a mantemos continuando boa, doce, cheia
de palavras que fazem carinho aos ouvidos. Meus ouvidos não podem voltar atrás
— eles são semi-absolutos e aguardaram tempo demais sem presentes. Foram
afetados e inflamaram de tanto que ouviram desgraças, desvarios, atrocidades. E
eles sabem, pois ouviram desde muito cedo, que só se ganha o prêmio bom do nono
andar, quem sobe antes ao oitavo e não desiste. Mas de tudo, ainda, o que mais
dói é ver destruídos os sonhos do meu bobo coração. Ninguém tinha esse direito.
As ruas esperaram por mim, para que agora eu passasse por elas em par, com
minhas pernas felizes, com minhas mãos aquecidas, com meus olhos faceiros, meus
ouvidos refeitos, curados e teus.
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