Bem no meio da reza, parou. Deu-se conta de
repente: não havia mais por que rezar. Uma elucidação repentina? Recado do além
em pessoa? Claro, só podia ser isso! Um psicopata!
Só um poderia com a crueldade do cenário e continuar
parado. Olhos postos nos detalhes ínfimos daquela finitude carnal. Não cabia
outra explicação. Só podia ser isso, uma doença clínica, uma anomalia genética.
Aí sim, entenderia a tudo. Psicopatia: Indivíduo
caraterizado por ausência de empatia, piedade e remorso. É extramente
manipulador, sádico, perverso.
Estava
explicada aquela permanência diante do corpo agonizante. Impassível. Sem
demonstrar qualquer reação ou esboçar a menor expressão de desconforto. E
estavam só os dois ali: vítima e observador. Nem serviria como testemunha. Não
dizia palavra. Prosseguia olhando, braços cruzados, imóveis, ambos. Um corpo
vivo e um quase póstumo. Esperava. Testemunhando cada gota se esvaindo dali, encarnando
o piso. Músculos desistindo de movimentos. Ar, cada vez mais, sendo sorvido na
urgência. E ele, irredutível, sem fazer nada, nada! Nem socorrer nem chamar por
socorro.
Aquilo
tinha durado mais tempo do que a novena mais longa. Só não se conformava: nem
uma vela de 7 dias protegida do vento e uma Oração poderosa, seriam capazes de esclarecer
a tudo antes que fosse tarde. Soprada dos lábios na tarde vazia. Desistida. Se
era um caso psiquiátrico, nada tinha a ver com fé e milagre. Até poderia
julgar-se merecedora de um que permitisse perdoar. Mas como apagar da memória a
frieza revelada? Ele era capaz de tamanha indiferença? Não conseguia
conformar-se com a súbita certeza que se erguia em meio a tantos cacos quebrados,
incertos de futuro. Colar para que, se para sempre mostrariam vítreas
cicatrizes? O máximo que se pode fazer de cacos, são mosaicos ou vitrais para um
mausoléu.
Iletrada,
novenas e rezas dotadas de poderes a mais, eram tudo que lhe restava saber
decor. Psiquiatria, jamais! Nada sabia sobre isso. Mal concluíra o Segundo
grau. Precisava apenas entender para prosseguir. Desistida. Aquilo era demais
para sua rasa compreensão das coisas do mundo. Mundo mudado este de hoje em
dia. Ana Maria nunca falou sobre isso, ou falou? Perguntava-se. Ora, se ela
soubesse que um ser humano tinha sido capaz de ficar olhando outro morrer ao relento,
certamente faria matéria. Especialistas, dicas de como identificar se você tem
um em casa, essas coisas úteis e globais; afinal todo mundo pode ser pego de
surpresa. Toda família tem problemas. Ela tinha! Tinha acabado de saber por
conta própria, mesmo sem faculdade nem nada. Providência divina!
Ao fim de
tudo, abortada a missão da prece, tinha os olhos parados. Desistidos. Rendia-se
ao fato irrefutável. Piscavam em intervalos maiores de tempo. Mais segundos e a
verdade estampada ali, inadiável. Suas mãos desunidas. Nada tinha sentido. A
última coisa que viu foi o azul nem sempre azul daqueles olhos fixos e frios,
eternizados.
Necka Ayala 2013
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