Tinha avisado! Não foi por falta de aviso, não
foi! Para que serviria ter tanta experiência de vida, tanto caminho percorrido,
tanto tempo decorrido se não para poder fazer isso, avisar? Tinha dito,
repetido, salientado: não deixa o carro andar! Segura até ter certeza absoluta!
Não ouviu. Nem parou para pensar, calcular o ato em si, se valia a pena arcar
com o resultado daquilo. Queria colocar logo tudo dentro, escolhendo as coisas,
lotando o espaço do carro com tudo que pudesse se desvencilhar. Uma bagagem
inteira de uma vez só. E foi levando, apertando coisa contra coisa, fazendo
caber mais e mais..., na pressa, no ímpeto de simplesmente fazer, fazer
acontecer alguma coisa contra outra coisa que não queria. Foi arrumando de
qualquer jeito como quem teme perder a hora do voo e nem tinha voo. Encheu o
tanque, calibrou pneus, deixou as rodas viradas certas na direção morro abaixo
e o freio de mão puxado, aguardando o start. E tinha avisado: uma vez que o
carro comece a andar, ainda que lento, vai descer! Quando as rodas se moverem,
vão levar algumas folhas do chão, passar por cima dos insetos, atropelar pedras
inocentes...morro abaixo. A gravidade da coisa vai fazer impor velocidade,
força e vai embora! Depois não vai dar para buscar de volta...vê lá! Tinha
avisado. Nem sei se ouviu. Se pôs na traseira e, com as duas mãos contra o
vidro, pés fincados firmes no chão, empurrou com vontade! O morro esperava o
percorrer das rodas contra as costas. Tinha feito tudo, tinha avisado: não há
como prever para onde vai...pode-se perder o controle da coisa e ela acabar
rumando para onde não querias, fazendo estrago, causando acidente, vê bem –
antes que acabe em tragédia, calcula os riscos, pondera...! Nada. Empurrava
mais. Quando ganhou movimento, descolou-se das mãos, foi indo. Primeiro
devagar, como quem duvida. Depois rodou, venceu obstáculos e foi descendo,
descendo morro abaixo, cheio de tralhas antes estimadas, balançando um pouco,
lotado de abandonos. Matou bichos no caminho, deslocou folhas e pétalas, passou
de raspão por galhos. De repente uma roda passou por cima de uma pedra maior e
virou a coisa toda para um lado. Cortou as costas do morro e despencou de lá,
abismo afora – perdido. Nem se ouviu a explosão – apenas ao silêncio do
infinito.
Necka Ayala
13/06/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário