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sábado, 18 de janeiro de 2014

Desgovernado


Tinha avisado! Não foi por falta de aviso, não foi! Para que serviria ter tanta experiência de vida, tanto caminho percorrido, tanto tempo decorrido se não para poder fazer isso, avisar? Tinha dito, repetido, salientado: não deixa o carro andar! Segura até ter certeza absoluta! Não ouviu. Nem parou para pensar, calcular o ato em si, se valia a pena arcar com o resultado daquilo. Queria colocar logo tudo dentro, escolhendo as coisas, lotando o espaço do carro com tudo que pudesse se desvencilhar. Uma bagagem inteira de uma vez só. E foi levando, apertando coisa contra coisa, fazendo caber mais e mais..., na pressa, no ímpeto de simplesmente fazer, fazer acontecer alguma coisa contra outra coisa que não queria. Foi arrumando de qualquer jeito como quem teme perder a hora do voo e nem tinha voo. Encheu o tanque, calibrou pneus, deixou as rodas viradas certas na direção morro abaixo e o freio de mão puxado, aguardando o start. E tinha avisado: uma vez que o carro comece a andar, ainda que lento, vai descer! Quando as rodas se moverem, vão levar algumas folhas do chão, passar por cima dos insetos, atropelar pedras inocentes...morro abaixo. A gravidade da coisa vai fazer impor velocidade, força e vai embora! Depois não vai dar para buscar de volta...vê lá! Tinha avisado. Nem sei se ouviu. Se pôs na traseira e, com as duas mãos contra o vidro, pés fincados firmes no chão, empurrou com vontade! O morro esperava o percorrer das rodas contra as costas. Tinha feito tudo, tinha avisado: não há como prever para onde vai...pode-se perder o controle da coisa e ela acabar rumando para onde não querias, fazendo estrago, causando acidente, vê bem – antes que acabe em tragédia, calcula os riscos, pondera...! Nada. Empurrava mais. Quando ganhou movimento, descolou-se das mãos, foi indo. Primeiro devagar, como quem duvida. Depois rodou, venceu obstáculos e foi descendo, descendo morro abaixo, cheio de tralhas antes estimadas, balançando um pouco, lotado de abandonos. Matou bichos no caminho, deslocou folhas e pétalas, passou de raspão por galhos. De repente uma roda passou por cima de uma pedra maior e virou a coisa toda para um lado. Cortou as costas do morro e despencou de lá, abismo afora – perdido. Nem se ouviu a explosão – apenas ao silêncio do infinito.

Necka Ayala

13/06/2013

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