Despedia-se
o tempo todo. Despedia-se com os olhos esvaziados de luz, de brilho, de
inferência. Em silêncio, despedia-se não olhando mais, não fitando – fitando ao
nada à sua frente, imóvel. Nem via. E com as mãos também, embora sem acenos. Acenava
adeus de outras formas, todas elas, menos acenando de fato, assim,
comprovadamente, com a mão dançando pendulada para lá e para cá, contra o ar
remoto. Acenava com as pernas, empurrando passos, indo mais distante, se
afastando, como ao contrário de quem se aconchega perto. Ia indo um pouquinho
mais para longe, milímetros a cada vez, mas sempre indo. Arrastava a cadeira,
fingindo algum incômodo com o ponto onde estava a cadeira, como quem não
consegue enxergar direito dali. Arrumava algo para fazer com os braços, parecia
– segurar alguma coisa imediatamente, ocupar o colo. Despedia-se virando para o
outro lado. Percebendo subitamente algo interessante naquela loja, de passagem,
indo conferir logo, soltando da mão distraidamente, com desculpa. Passos acelerados
para um pouco mais distante. Acenava assim, sem as mãos. Despedia-se calando.
Poupando de dizer palavra. E achava melhor assim, que ficasse claro sem
clareza. Que fosse verdade já sendo assim, sem. Ia indo um tanto mais para lá
no sofá, no carro, na rua. Precisava segurar os óculos de um lado e aquecer a
outra mão no bolso – fazia frio por todo lado, por todo canto, porque
despedia-se. Nem ousava mais sorver ao cheiro familiar de todas as manhãs – não
julgava mais pertencer-lhe. Havia despedido aquele cheiro de suas entranhas. E
despedido o corpo de suas pluralidades. E despedidas as carícias quentes de
suas partes. Não era mais par. Era a parte que sobrara, fatia da coisa, só.
Havia despedido o tratamento amoroso de seu idioma. E despedia-se agora sem
gesto indicativo. Ausente, como alma que vagueia pela casa que viveu sem
descanso, errante. Não via luz. Não havia mais luz. Apagá-las, tinha sido a
última coisa feita por aquelas mãos que não acenavam – não podiam, simplesmente
não.
Necka
Ayala
13/06/2013
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