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domingo, 6 de outubro de 2013

Intento

Tentaste me roubar a visão que tenho sobre as coisas. Mas eu precisava dela e não deixei. Vieste prometer alívios, conceder sequestros, confinar meu tempo aos teus relógios. Riscaste datas em minhas folhas. Esvaziaste as taças que havia servido. Deixaste derreter geleiras inteiras sob o fogo fátuo. Tentaste secar minhas águas. Mas eu as mantive – preciso delas alimentando as raízes de tudo que me embriaga. E o fiz por mim. Porque não entendo a vida sem a graça e a bênção. Não aprecio garrafas vazias cheirando mornas à cevada. Me seduzem aromas suaves que me remetam à liberdade, brisas, movimento do vento abraçando o entorno da pétala. Tentei criar apego ao teu desapego de tudo. Mas nasci sob a influência do que penetra à terra e faz vida nascer dali. E tu vives de não viver a nada, eterna impertencente, inanimada, alheia à festa, retirante e retirada. Escolheste ir, ir sempre mais e nunca te basta. Escolhi a mim e encontrei tanto mais do que esperava! O que posso sentir nunca acaba. Quando abriste a fresta e escapaste por ali, não houve outra saída se não voltar meus olhos e a visão conservada para outro mundo, muito mais meu. Nele, de volta, rios e canoas, ventos e asas, sementes e colheitas. Sento. Olho. Observo. Assisto ao que vem brotando verde e novo – o novo, sempre vem. E vem acrescido de nexo, enfeitando os dias que nascem agora de um modo diferente, doce, risonho, orgulhoso por ter plantado. Olho para trás e aceito que tantos tenham passado sem entender coisa alguma do que havia. A nada perdi eu. Nem tinha. E da tentativa de roubo, aprendi a defesa. Das promessas descumpridas, aprendi que ainda tenho puro o coração. E tu, o que tens? Afinal, o que tens de teu?

Necka.

2013.

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