Tentaste
me roubar a visão que tenho sobre as coisas. Mas eu precisava dela e não
deixei. Vieste prometer alívios, conceder sequestros, confinar meu tempo aos
teus relógios. Riscaste datas em minhas folhas. Esvaziaste as taças que havia
servido. Deixaste derreter geleiras inteiras sob o fogo fátuo. Tentaste secar
minhas águas. Mas eu as mantive – preciso delas alimentando as raízes de tudo
que me embriaga. E o fiz por mim. Porque não entendo a vida sem a graça e a
bênção. Não aprecio garrafas vazias cheirando mornas à cevada. Me seduzem
aromas suaves que me remetam à liberdade, brisas, movimento do vento abraçando
o entorno da pétala. Tentei criar apego ao teu desapego de tudo. Mas nasci sob
a influência do que penetra à terra e faz vida nascer dali. E tu vives de não
viver a nada, eterna impertencente, inanimada, alheia à festa, retirante e
retirada. Escolheste ir, ir sempre mais e nunca te basta. Escolhi a mim e
encontrei tanto mais do que esperava! O que posso sentir nunca acaba. Quando
abriste a fresta e escapaste por ali, não houve outra saída se não voltar meus
olhos e a visão conservada para outro mundo, muito mais meu. Nele, de volta,
rios e canoas, ventos e asas, sementes e colheitas. Sento. Olho. Observo.
Assisto ao que vem brotando verde e novo – o novo, sempre vem. E vem acrescido
de nexo, enfeitando os dias que nascem agora de um modo diferente, doce,
risonho, orgulhoso por ter plantado. Olho para trás e aceito que tantos tenham
passado sem entender coisa alguma do que havia. A nada perdi eu. Nem tinha. E
da tentativa de roubo, aprendi a defesa. Das promessas descumpridas, aprendi
que ainda tenho puro o coração. E tu, o que tens? Afinal, o que tens de teu?
Necka.
2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário