Ele me seguia
enquanto ia assim, desordenada, amaldiçoando as pedras do chão e as calçadas
disformes. Ele amortecia o solo enquanto ia andando assim, contrariada, sem
mapear distâncias e idas indevidas. E estava ali, quando pronunciava mil
perguntas aparentemente irrespondíveis. E me ouvia blasfemar e alvejar minhas
próprias esperanças corroídas. O tempo parece desgastar o tecido no qual se
tece uma esperança. Mas apenas parece, não é. Não é assim como vemos. O tempo
desgasta a visão da qual tentamos tirar entendimento. E ele estava ali
aguardando o tempo do real entendimento. Enquanto gritava aos céus minha
revolta e minha mágoa, ele colhia o sal derramado e o tornava de volta ao mar
do esquecimento. E ia, e ia mais e tornava a gritar por socorro e alento. E ele
estava dando isso tudo o tempo todo, ao mesmo tempo. Ele me esperava enquanto
me perdia. E me receberia antes se eu tivesse chegado antes aonde ia. Ele me
aventava as ideias enquanto buscava uma inspiração qualquer que nunca vinha.
Esvaziava-me a cabeça enquanto batia a cabeça contra as paredes por mim
erguidas. E não ouvia. Ele acomodou meus planos junto aos seus planos enquanto
desistia. Guardava as horas mais sagradas em suas mãos benfeitoras e pacientes.
Guardava as chaves da morada, mantinha as sementes regadas e uma réstia de sol
por sobre tudo. Arejava os cômodos, esperando que viesse a habita-los,
sentindo-me em casa em mim mesma e eu era a casa. Ele me preparava o alimento
para a hora precisa da fome, quente e sempre recém feito. E só via a fome e a
ânsia de sorver alguma vida. Ele decorava o céu com nuvens e as ruas com
pessoas desconhecidas, para que me sentisse um pouco perdida e ele pudesse ser
buscado como companhia. Estava o tempo todo lá e não o via.
Hoje o vi de novo, de
relance, como aparição, como divindade, como sensação que escapa quando se quer
prendê-la, fazendo-a durar mais um instante. E ele estava dentro, sempre ali,
eternamente sereno. Esperando por mim que dava a volta ao mundo enquanto isso.
Ele estava em mim como estou nele. Eternamente pronto, e eu, eternamente em
movimento, sendo lapidada por mim mesma e meus enganos, meus acertos, minhas
certezas e minhas perguntas. Vamos juntos, assim mesmo, encontrados e perdidos,
mas juntos para todo um sempre que ainda desconheço.
Necka Ayala
06/06/10
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