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domingo, 6 de outubro de 2013

Intransponível


Porque havia um espaço imenso entre a mão e a gaveta. Acho que ninguém nunca mediu, sei lá. Mas havia, juro! E esse espaço me impedia de pegar o que tinha dentro da gaveta, que precisava muito, até queria, mas não conseguia pegar, entende? Era um espaço como um impedimento, como impedimento de jogo, não dava e fim. É isso. Só isso! Igual ao espaço entre o endereço da casa e o lugar onde moravam as respostas. Sim, podia ter buscado respostas. Até precisava, queria um pouco, mas mesmo que as tivesse aqui comigo agora, havia um espaço entre as mãos e as atitudes, entende? Um tempo talvez...acho que ninguém mediu, sei lá, mas tinha. Um tempo que podia ser meio demais, meio extenso para além do possível. Seria pedir demais que esperassem por mim, assim, com tamanha resignação, não seria? E tinha o corte, tinha, juro! Um corte entre o que havia e o que não havia mais, parece...tinha sangrado muito, muito além do que conseguiria estancar se quisesse, se pudesse, até queria um pouco. Só achei melhor deixar sair, porque havia um espaço entre o corte e o futuro, que talvez tivesse sido lido nas cartas se jogasse. Jogaria sim, se tivesse consultado. Mas sei lá...acabava lembrando da distância entre uma coisa e a outra, a correria, o trabalho que daria lembrar todo dia...enfim...e ainda assim haveria sempre o espaço entre a mão e a gaveta. Acabaria tendo de voltar a isso mais cedo ou mais tarde. Teria de fazer e até queria um pouco, precisava. Só que quanto mais tempo passava, maior o espaço que se abria, entende? Cada dia que começava e acabava, me colocava lá, diante do armário que continha a gaveta. Ficava olhando e o espaço ia se alastrando dentro, percebe? Cada segundo de paralisia cultivava mais aquele abismo entre o agora e o depois. Teve algumas vezes em que até senti uma vontade súbita de vencer o espaço e abrir logo, pegar o que precisava lá dentro. Nem sei se ainda tinha validade. Mas ia. Só que ao chegar ali, diante do puxador, minha mão parava, a vontade parava, tudo parava de repente. E era eu de novo imóvel em frente a um móvel onde coloquei o que precisava e até queria, um pouco, confesso. Estava guardado. Estava aguardando a hora, eu acho. Podia até pedir para alguém ir ver se o prazo tinha vencido mesmo. Podia, mas havia um espaço entre pedir e atenderem, entende? Nunca se sabe até que ponto se pode contar com os outros nessas horas. Acho que ninguém nunca mediu, sei lá. Só sei que todo espaço entre uma coisa e a outra vai aumentando, aumentando, aumentando até ficar assim, intransponível...entende?

Necka Ayala
13/06/2013

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