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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

SORRATEIRA


Quem entrou sorrateiro em minha morada e inverteu o sentido do ponteiro? Anda pois só para trás o tempo. E o futuro que viria agora se anuncia igual a antes, ao que fora quando eu fora só. É só o que me resta, andar assim, ensimesmada nessa tonta e insone madrugada, rumo a tudo que não tive, ao todo do meu nada, lugares onde estive, meu pé na mesma estrada e livre. Quem destinou a mim tamanho desvario, que ando deparando com máscara antiga, veste desgastada, escolha tola e vadia quando tudo que eu queria era a redenção da colheita... e a cura e a mim... refeita? Quem congelou o gesto, acimentou a mão, sugou a luz de dentro, furtou-me meus brinquedos? E que senhor das trevas adentrou meu leito, enviuvou-me a perna, levou da boca o beijo? E impôs que a mim coubesse morar em labirinto, sem mesa, estante ou canto, condenado ao que sinto. Quem decidiu prender-me em teias e artefatos, sem sonhos nem alentos, o último habitante de uma aldeia que não deixa filho nem legado, ouvindo a voz do vento? Quem evapora agora o cheiro que sorvia? Quem apagou da aurora o róseo tom do dia? Quem devolveu-me exílio, ...a errância, a tonteria? O eco que não ouço, o olhar que não me alveja, o ato, o crime, a culpa...e tudo que não seja! Quem pôs em minha mala pertences de outro errante? E a voz que hoje se cala, confessa o fim do instante – vazio, a transbordar-se, o vinho caro à taça. Presente que não veio, a natimorta graça – se um deus dera o milagre, quem intercedeu em tempo, pôs quebranto, fez pirraça? Quem veio sorrateiro quebrar minha vidraça, o fez de próprio punho cortando o encanto à faca! A lâmina que amputa, palavra que não chega...aquele que não luta, dispensa e deserta à luz da lua nua. Lá atrás me espera seca a flor do desencanto. Passada, quieta e imóvel, sem vaso, tumba ou pranto. Eu devo ir, é tarde e nada mais me cabe. Aqui repousa breve a solidão que arde – um verde entristecido gravado no teu olho...plantada a covardia, que sou só eu que colho. De volta ao passado...um vão destinatário...o eco que não ouço, a mão que não me salva, a porta que não abre teu peito mercenário.

Necka Ayala

21/05/2013.

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