Nada
compreendia sobre a palavra em si, simples como é — continuidade. Ainda que o
criador tivesse colocado em seu caminho tantos avisos, sinais e, num gesto de
infinita compaixão, tivesse posto ao lado um guia, não adiantava. A palavra não
lhe dizia nada. Ainda que vivesse nas alturas assistindo à continuidade das
nuvens e dos ares que sustentavam asas, não via. Mesmo fitando ao mar e aquela
repetição rimada e certa das ondas, não as ouvia. Embora tivesse vivido a vida
em plena continuidade, indo sempre mais além, nem assim identificava dentro, a
preciosa lição da palavra. E por permitir que fosse cortado o fluxo, que fosse
interrompida a continuidade do que estava aprendendo, perdeu tanto que já não podia
mensurar: foi-se a intimidade, o elo de ligação, a conexão com o que havia de
mais sagrado e limpo, foi-se a naturalidade da cena que deu lugar à dúvida de
não mais saber como agir. Dali em diante, daquele ponto de corte, não sabia
mais como proceder, falar, escolher, chegar . . . o que dizer, como? E o que
encontraria? Por não continuar, perdera a tudo, à soma do tempo decorrido que,
a partir dali, já era outro, não mais o primeiro tempo longo e bonito, cheio de
lembranças. Foi-se a história. Perdera o calendário da própria vida. E datas,
coisas queridas que vinham junto ao longo do tempo. Perdera a todo o resto
somente por ter perdido o senso e o conceito da palavra “continuidade”. E o
pior de tudo era nem ter compreendido ainda, quanta coisa se ia junto embora
dali. Deixou que a foice caísse reta e definitiva sobre uma continuidade de
anos somados tanto no festejo quanto do desafio que viver oferecia. Foi covarde
e cedeu aos apelos da maldade. Foi vil e expulsou de perto aquilo que suplicava
por um único gesto de confirmação. Um só. Um. E não veio. Sobreveio sim, o
aborto de uma vida que estava prestes a acontecer – bastava que confirmasse sua
permanência no “pagar pra ver”; bastava que continuasse andando para que
houvesse estrada, rumo, caminho, chegada e eternidade. Bastava prece para ver
milagre. Bastava atitude para ver resultado. Bastava amor para ver nascer um
novo dia mais pleno, mais leve e de toda comunhão. Mas não. E agora?
Necka.
17/01/2017
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