“Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos
alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força,
capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa,
coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o
absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.”
Carlos Drummond de Andrade
- E escolhi a ele. Por mais salgados os olhos, mantive o azul que nem podia mais ver, mas guardei na recordação – e a ela, ninguém me tira. Ao azul, ninguém me rouba — não deixo! Protejo, preservo, o expando na imaginação que a tudo concede. O Criador me dotou de imaginação: foi mais que pai nesse instante, foi um sábio, prevendo que seria preciso um ponto permanente de redenção, para que sobrevivêssemos todos. Lá atrás fiz minha escolha: me tira o barco, quebra seus remos, mas deixa o mar para os meus olhos. Pedi e me foi dado conservar o azul necessário à vida como a entendo: pulsante na beleza, comungada com a poesia, farta na extensão do exercício de amar. E não se ama a alguém, se ama com alguém. Mas se esse alguém decide partir, é a oportunidade de uma nova escolha: oferecer a quem vem, a capacidade de amar maior do que era antes. E de novo escolho o azul que revelou a mim outras existências, as minhas. Que o levem de perto – ninguém me tira. Não deixo. Ficará comigo porque o quero e preciso dele em todos os tons que ele colore: no azul do breu fechado da noite, quando o ponto de luz se chama a Lua. No azul celeste das manhãs quando o ponto de luz reacende o sol. No azul índigo das tardes quentes, quando o ponto de luz pousa a balança ao centro e nem o sol se foi de todo, nem a lua reapareceu ainda. E quando a tempestade vem acinzentar a tudo, fecho os olhos e recordo apenas. Nesse momento, o ponto de luz é minha lembrança mais sagrada, do brilho mais intenso do olhar que foi-se embora. Nenhum outro brilho no mundo, pode brilhar tanto assim . . . ninguém apaga, não deixo! Que se dissolvam as alianças — nas mãos sempre haverá a marca aquecida deixada por elas. Que se entreguem à perdição os desistentes: eu não desisto, reafirmo minha comunhão com o que é belo e divino, com a embriaguez de perceber-me tonta de tanto querer a vida. Por mais lágrimas que transbordem, não desisto do azul que deram tanta luz aos meus olhos escuros de nascença. Luz que vem pra iluminar a noite e o mar que há em mim.
Necka (citando as canções Senhor e Luz do Dia)
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