Ame-a
ou deixe-a. Se não houver mais perfume nas mãos onde já houve flor, deixe-a sem
nada, para que ela possa descansar em paz. Se não houver mais a recordação de
luz onde havia brilho partilhado nos olhos, deixe-a, para que ela possa
adormecer para sempre. Deixe-a, quando a covardia tomar conta dos seus gestos
que outrora foram desbravadores de futuro. Quando o veneno tiver possuído seus
lábios que já pertenceram em tempos idos ao sabor do encontro, doce, leve,
inesperado, deixe-a ir dali, de perto. Porque o amor se confirma na presença
capaz de dispensar palavras. O amor não precisa, de verdade, das palavras. Ele
se dá na comunhão. Ele se mostra na nudez de máscaras, quando estamos dispostos
a, apenas, sentir. Ele se revela em segredo e é apenas para estar em par. Ele
dança entre dois corpos, flutua solto e livre entre dois corações, brinca entre
dois braços enquanto se abraçam. Mas se não houver mais nem fagulha onde já
houve o fogo ardente da vida em si, deixe-a, para que ela possa encontrar o calor
eterno do ventre da terra. O amor se fortalece estando com aqueles que o
querem. Mas ele não é Deus e não consegue, por mais que queira, fazer-se forte
na distância. O amor é a expressão de Deus, não Ele. Ame-o ou deixe-o, ao amor.
Pois ele requer a verdadeira liberdade — aquela que só existe no todo do
encontro entre nossos olhos e o espelho, quando estamos satisfeitos com o que
vemos, quando nos orgulhamos de nossos feitos, não quando nos arrependemos de
nossas insanidades e fugimos desse mesmo encontro. Se não houver mais nem mesmo
a capacidade de defender ao amor, deixe-o ir. Pois uma vez que não o queiram
defende-lo, é porque abriram mão do próprio direito a ele que veio, desde o
primeiro instante, para fazer de cada um o todo do que é. O amor vem para revelar
as muitas faces sem máscaras que cada um é capaz de ter em si. Para abrir as
asas de vôos indescritíveis, para mostrar a verdadeira concepção de cada
palavra, reescrevendo cada dicionário; o amor vem para abrir as ruas e juntar
as mãos em passeios por elas. O amor não se acovarda diante da primeira
tempestade. Não se esconde da vida diante da primeira brisa mais solene que
sopra. Não foge na hora em que é chamado à luta e à vitória. O amor vem para
somar as forças entre os que se amam, para crescerem juntos e festejarem um dia
suas permanências ao lado dele: ele saberá recompensar os que ficarem. O amor
veio para perguntar ao que escolhe cada um, dia após dia, ano após ano, vida
após vida, quando diz: ao que escolhes? Se responderem: — escolho a ti, amor!,
ele dançará de novo e todo ruído do universo será música ao ouvido, cantada por
Anjos em seus quintais. Mas se tua escolha for o temor, a covardia, a inação
que é a maior representação do desviver, o amor partirá de ti para nunca mais.
Então te aconselho com o amor que ainda me cabe ter: quanto ao amor, ame-o ou
deixe-o.
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