É
preciso mãos delicadas a despeito da brutalidade das coisas excessivamente
reais. E olhos limpos, ainda que tudo que vemos nos ofenda. É preciso ouvidos
atentos e a alma aberta. É preciso o todo da compaixão para que percebamos —
ainda que em sutis diferenças, as nuances dos outros a quem iremos, logo mais,
entregar nossos achados. Estão nas profundezas. É preciso mergulho. Ir fundo e
mais fundo, sempre mais. E braços fortes que se concluam naquelas mãos
delicadas. É preciso suportar a pressão do oceano acima que pesa sobre os
pulmões. E segurar a respiração a fim de alcançarmos aquele fundo. E nenhum
ego. Nenhum. Para que lá embaixo, onde restos de naufrágios, os nossos, possam
ser explorados ao extremo. Para que de lá se extraia o ínfimo pedaço do que já
foi um dia um tesouro concedido ao nosso encontro e traze-lo à superfície. É
preciso o sal, todo ele: o que escorre sobre a face nua e o que abraça o corpo
todo enquanto descemos. É preciso descer mais. Enfrentar os monstros
assustadores que talvez encontremos no caminho. As ameaças, as armadilhas. E
nenhum afago se dará durante a viagem. No fundo. É no fundo que está o que
vale. De lá, depois, ainda teremos todo o caminho de volta a fazer, solitários
e bravios, cansados e validados em nossas existências. Ser Músico é isso mesmo:
desbravar o Oceano inteiro, a fim de encontrar a única Nota que inicie um
Cântico de Luz. Apenas uma: mas por ela é que vamos tão longe, onde ninguém
mais vai. Por que? Porque sabemos que somente no fundo do mar se encontra o
todo do silêncio — e é nele que poderemos ouvi-la dentro de nós.
Necka
23/02/2017
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