Minha cama nunca havia sido tão fartamente áspera e hostil como foi
esta noite. Havia aberto uma vez mais a porta que dava no Jardim. Havia aceito
mais uma vez ao Anjo que se oferecera para vir brincar sobre a relva de verde
renovado e fresco da noite. Havia
preparado a mesa e agendado a data perfeita para seu vôo de vinda. Um regalo,
uma surpresa inesperada o aguardava. E dormiríamos em paz, lado a lado,
envoltos na Redenção que ele traria. Pois era coisa de Anjo promover a Redenção
— tarefas celestes ou infernais não competem aos mortais. Só Anjos tem os dons
da Cura para quem leva o coração partido ao peito. Só Anjos podem irradiar a
luz naqueles que foram atirados às trevas do esquecimento. E esperei. Por
longas horas. O Jardim começava a reluzir nas folhas verdes o clarão da lua. As
oferendas estavam entregues às divindades. O alimento estava pronto esperando a
hora do ruído faceiro e plural dos talheres. E o vinho à taça emanava seu aroma
mais puro — aquele que soube deixar que o tempo o apurasse. E era ali mesmo, no
centro do Jardim com o Anjo que pretendia atravessar a noite e receber com
calma o novo dia. Ele estenderia a sua mão alada até a minha e eu faria o mesmo
movimento — cada um cumprindo sua metade do caminho até a dádiva do encontro.
Mas não foi o que aconteceu. Quando percebi, estava de volta ao confinamento da
casa escura, insone e com o peito infinitamente pasmo diante do que via.
Desassossegada. Inquieta. Nula. E minha cama foi áspera e infernal, hostil e
traiçoeira. Eu não cabia mais ali, porque havia preenchido de novo o peito de
esperanças, não cabia mais ali. Porque havia acreditado mais uma vez, não cabia
mais estar ali. Não mais! Não de novo, não desta vez, não nesta data! Não, de
novo não! Porque acreditara uma última vez e estendera minha mão até a minha
metade do caminho, não — não era possível! Não podia crer do vazio do depois
daquelas horas — não desta vez, não, eu gritava em vão tentando assustar a dor
da constatação. E minha alma generosa e gentil, mãe dos sonhos, preparada para
parir sua legitimidade, se encolhia no canto do quarto escuro, ferida mais uma
vez. Mais uma vez abortada, impedida de viver. Soube mais tarde, quando depois
de duas horas não houve mais como dormir, que o Anjo cansara dos azuis nem
sempre azuis dos céus e escolhera o vermelho dos infernos para onde se dirigiu
batendo no movimento do vento de suas asas brutas e pesadas, a porta que dava no meu Jardim.
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