Vivia
assim, como se assim viver fosse — sem coisa alguma sentida, tida, sem ter sido
nada de sua. Andava a esmo, batendo cabeça contra paredes erguidas pela própria
imaginação acometida de enfermidade. Uma pena ao vento sem paradeiro, sem
pouso; canoa ancorada sem rumo, sem serventia. Ente errante buscando mais do
mesmo nada. Não sentia faltas nem de um beijo inesquecível e único, nem do
toque aveludado que conhecera brevemente, nem das faces desnudas que tinha
posto no espelho quando fora livre. Nem se contorcia no leito pelo tamanho do
vazio que levava às mãos. Nada doía. Nada que se ausentasse dela doía o
bastante. Nem o corpo ensimesmado, nem a pele abandonada, nem os olhos vagos,
nem o calor que não vinha. Tudo fora passageiro dentro dela. Nada ficava. Nada
causava nostalgia, nem as noites de lua colorida no céu de um planalto, nem as
vestes brancas que vestira quando era ela. Ela não sentia saudades. Era apenas,
enfim, toda solidão.
29/05/2017
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