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domingo, 28 de maio de 2017

Passageira


Vivia assim, como se assim viver fosse — sem coisa alguma sentida, tida, sem ter sido nada de sua. Andava a esmo, batendo cabeça contra paredes erguidas pela própria imaginação acometida de enfermidade. Uma pena ao vento sem paradeiro, sem pouso; canoa ancorada sem rumo, sem serventia. Ente errante buscando mais do mesmo nada. Não sentia faltas nem de um beijo inesquecível e único, nem do toque aveludado que conhecera brevemente, nem das faces desnudas que tinha posto no espelho quando fora livre. Nem se contorcia no leito pelo tamanho do vazio que levava às mãos. Nada doía. Nada que se ausentasse dela doía o bastante. Nem o corpo ensimesmado, nem a pele abandonada, nem os olhos vagos, nem o calor que não vinha. Tudo fora passageiro dentro dela. Nada ficava. Nada causava nostalgia, nem as noites de lua colorida no céu de um planalto, nem as vestes brancas que vestira quando era ela. Ela não sentia saudades. Era apenas, enfim, toda solidão.

29/05/2017

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