Criado
o caos, parou ali a contempla-lo. E nunca mais moveu-se. Não comeu do caos. Não
bebeu o caos, não tocou, não conheceu a largura e o comprimento do caos. Parou
ali e nunca mais moveu-se. Não falou com o caos. Não confessou delito. Não
desabafou, não disse, não fez. Paralisou ali qualquer coisa. Nunca mais sentiu.
Nem nada. Leveza esquecida. Vagalumes nos postes da rua deixados pra lá. Lua
partida ao meio vagando abestalhada num céu sem todo. Criou o caos a bel prazer
pra nada. Não fez uso. Não fez filho. Não fez poema, não saiu gota. Não nada. Congelou
a coisa amorfa que levava dentro e meio que batia desconhecida do porquê. Não
fez pulso, não teve, não foi de ninguém. Não causou, não estava,
não-fotografia. Danificou o que tinha de tão feliz que fora e jogou fora — deu
de petisco ao caos aquilo tudo que era bom e sabia. E o caos mordeu faminto com
todos os dentes cariados achando que, se digerisse aquela luz, curaria a si
mesmo e se transformaria milagrosamente em algum deus. Até o caos teve
esperança. Não teve. Não plantou pra ter. Não fez o presente. Parou ali mesmo
no que era e deixou semente apodrecer quieta dentro da mão inútil, inerte.
Perdeu a chance, perdeu a vez, perdeu ao que sentia — perdeu a tudo. Olhou o
solo tornado seco e nem lamento, nem nada. Nem lágrima, nem arrependimento, nem
menção de coisa qualquer sentível. De repente o caos, exausto de ser visto,
bradou: o que sou hoje é o que fizeste ontem. Não construiu, não há. Parou ali
mesmo diante dele e nada teve a fazer. Agora era livre na viuvez. O corpo magro
da felicidade jazia se decompondo diante de seus olhos gélidos e foscos. Para
quê, pensou num rompante. Para quê criar o caos ao fim de tudo isso? Nem
resposta. Nem companhia. Nem presença, nem data, nem nada.
Necka
Ayala
29/01/2018
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