Larguemos
as armas. Há peso demais em mãos de artilharia. Fel nas palavras que temos
disparado. Estamos em falta de delicadeza. Larguemos as armas. Elas não
prestam. Distorcem o propósito dos nossos braços, fazem levantes raivosos onde
mais precisamos da serenidade e da ternura
— e é já! É agora que precisamos respirar o mais profundamente que
pudermos para, soltos de tudo que nos embarga a voz, irmos correndo atrás de
tudo que perdemos: doçura, poesia, água da fonte, raio de sol quebrando o gelo
do amanhecer de nossos outonos. Larguemos as farpas, os agulhamentos, os fios
das lâminas. Deixemos para os vis as declarações de guerra — estamos fartos. E
o armamento traz o cheiro ruim do aço aos nossos dedos, empunha nossos
indicadores contra nossos semelhantes. Não podemos mais permitir que o veneno
recém transbordado desse vulcão de horrores, nos contamine a ponto de ficarmos
como eles são, loucos entregues aos próprios desvarios, errantes batendo
cabeças contra as paredes das celas. Sim, façamos que nossas vozes sejam
ouvidas, claro! Mas de modo acima de tudo isso que aí está. Quando destamparam
essa coisa toda que vivia debaixo dos tapetes, fomos nós que recebemos na cara
o jorro da lama toda. Mas não podemos nos enlamear também, acometer nossas
almas tristes e desiludidas dessa coisa densa que se derrama a toda hora diante
de nossos olhos. Larguemos as armas. Deixemos que eles atirem, enquanto
esticamos os braços ao longo do corpo e procuramos a redenção de luz que ainda
resta. Esta! Esta que nos quer num futuro melhor e mais decente. Esta que
reacende a cada coisa pequena e boa que o Criador insiste em nos mandar vez que
outra, de repente, como Ele é: um sorriso bobo de uma criança que passa, uma
folha nova numa planta antiga, um gosto bom qualquer da infância que tivemos.
Respiremos fundo e façamos despir a raiva. Deixemos que eles sigam assim,
insanos, desvairados feito carros de auto-choque batendo e batendo uns contra
os outros, todos afobados, apressados em sugar mais e mais para si mesmos. Sim,
deixemos os abutres se fartarem do que não queremos nós obter. Uma hora dessas
isso tudo há de lhes fazer tanto mal, que sucumbam. Larguemos as armas nós.
Pois, simplesmente, podemos. E queremos de volta as mãos leves para os breves
afagos à vida e a mãe terra. Queremos de volta o calor dos abraços dos amigos,
dos irmãos. O fogo aceso, o aroma do alimento, a mesa posta perante a luz da
lua. Um livro no colo e uma manta sobre as pernas num dia de chuva. Queremos
dormir em paz as nossas noites, finalmente. Falta pouco para que a depuração se
conclua. Sabemos quem são, onde estão e o quão enfermas estão aquelas mentes. E
quase já nos furtaram a tudo, quase! Não conseguiram tirar o que somos, o que
sentimos ainda que neste momento pareça só tristeza protagonizando nossas
cenas. Não nos tiraram a coisa mais sagrada e longeva que sentimos: esperança.
Necka
Ayala. 22/03/2018
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