MANDARIM – Cida Moreira
Por sete séculos eu fui
Escrava devotada de um
mandarim
Trançava ouro em seus
bigodes, seus pagodes
Forrava sua cama de cetim
Regava suas flores de
cristal
Bordava rouxinóis em seu
jardim
E agora, com a queda do
Império
Falando sério
O que será de mim?
No céu desta noite explodiram fogos. Nas ruas,
gritaram buzinas frenéticas, vozes ferozes e, nas janelas dos carros, braços em
riste atiravam pedras em aviões. Deixe que explodam todos os seus fogos; deixem
que soem buzinas e vozes enraivecidas — o máximo possível, ao todo disso! É
justamente assim que queremos: que isso chegue ao todo do que é para, logo em
seguida, extinguir-se toda a raiva que eles têm. Assim destilarão tudo que têm.
Bem por aí mesmo. Deixe que assim sejam. Amém! E agora? E depois que a raiva
acabar? O que terão eles? Falando sério, o que será deles agora?
Uma vez extinta a raiva, o ódio tendo sido todo
destilado, o sangue encontrando resfriamento, as vozes não tendo mais ao que
atacar, o que farão eles? Nada mais. Vão aguardar resultados que não virão. E
não vir nada do que esperam, é que será o troco. Mas esse não é o ponto.
Uma vez extinta a raiva, nós é que sairemos livres:
nosso senso de humanidade, nosso respeito, nossa união em torno de um Bem
comum, não terá mais tantos obstáculos e poderá seguir caminho. Nossa atitude
amorosa não encontrará mais resistência e poderá abrir mais caminhos. A energia
nociva se auto-dissipará e a nossa energia benfazeja fluirá sem mais atalhos.
Enquanto eles consomem ao que tinham e que era findo, nós começaremos a nos
alimentar justamente da união que construímos, nos fortalecendo pelos laços
novos que traçamos, nos apoiaremos com mais serenidade nas verdades que
descortinamos. Agora sabemos quem é quem — podemos nos situar, sabemos contra o
que e contra quem lutávamos. Temos os nomes e podemos enviar Luz e Perdão. Hoje
sabemos também quem são nossos aliados, quantos irmanados num objetivo maior
temos. Logo, muito em breve nós é que teremos ainda a mesmíssima esperança, enquanto
eles terão liquidado ao que tinham: raiva. Talvez ainda fiquem com as sequelas
disso, o “dar em nada” que virá a seguir (se é que virá...tenho dúvidas),
desaguando em mais raivas, porém de si mesmos por terem caído no conto do
vigário. E aí, amados, de novo, teremos de ter Compaixão. E nós podemos.
Recorto de João Bosco uma das coisas que mais gosto:
“traga-me um desejo novo e vê se me põe de pé”. SIM! Nós temos ao que desejar e
sempre teremos! Entenda: sempre teremos ao que desejar, pois o Bem que queremos
para todos, é infinito! Somente o Bem é. Pois o mal é kamikaze: quando alcança
ao que quer, extermina e acaba. Agora temos um desejo renovado. E ele é todo
luz. O que é luz? Entendimento, saber. Vimos as caras nas caminhadas, fizemos
novas amizades nas redes, temos novos grupos. Sabemos o quanto há de construção
a ser realizada. Um novo desejo que não terá mais montanhas de energia ruim a
atravessar naquele jogo de cintura que nos cansou tanto. Agora podemos apenar
ir, suavemente, afetuosamente mais e mais além. Podemos nos reunir, traçar
estratégias, somar forças, criar saídas! Podemos nos encontrar silenciosamente
como sufragistas e arquitetar um futuro bom para todos, até para eles.
Lembre-se daquela hora em que gritamos nas ruas: Eu quero paz, eu quero amor e
amanhã vou votar no professor. Observe o que diz: quero paz, quero amor. Esse é
o nosso cântico. E qual eram as palavras deles? Atirar, matar, destruir. Vêem a
diferença? Pois é: e agora, o que será deles sem raiva? Então, está tudo certo
no fim das contas. Não parece, mas estamos no exato lugar que nos pertence e,
eles, também! Chegaram aonde dava e que triste será ter chegado e não ter nada
a atacar (o que será da flecha se não houver mais alvos?). Terão de ficar
imóveis, quietos, esperando, esperando, esperando...até vir a primeira nova
bofetada da decepção. Quando doer neles, acenderá a compaixão em nós. E de novo
seremos mais.
Assim, peço a vocês que comecem a trabalhar num único
ponto: reunião. Agendar, programar encontros, trocas, conversas nossas (de
preferência fora das redes). Comecem anotando ideias, traçando rumos,
identificando o que fazer. Não temos mais obstáculos que nos desviem, nem
impedimentos. Na real, viramos sim o jogo: agora todos eles nos devem
resultado. Só que sabemos que daquela coisa ruim não há como vir resultado
algum (se é que assumirá e eu não creio que vá). Vamos nos juntar, conversar,
apoiar uns aos outros, buscar o riso e a alegria da Comunhão, multiplicar a
energia do Bem e agir!
Hoje, ao mesmo tempo em que explodem foguetes
raivosos no céu, começa a extinção do ódio que nos contaminava todo santo dia.
Amanheçamos todos aos próximos dias, aliviados do peso que carregávamos há
meses! Mais leves, menos cansados, mais ativos ainda, mais unidos. Deixem
explodir o máximo possível: quanto mais, melhor — mais cedo terminará o que
eles têm pra fazer. O que será da bala se não houver mais peito? NADA. Quanto a
nós, todo um futuro a tecer com nossas mãos tecelãs, tudo a cantar com nossas
vozes afinadas, tudo a erguer com nossas mãos construtoras, tudo a ensinar com
nossas mãos educadoras, tudo a curar com nossas mãos curandeiras — pois somos
os filhos que não fugirão da luta até que todo mundo tenha de novo o pão nosso
de cada dia.
Necka Ayala
29/10/2018
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