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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Ladra


Devo furtar um instante para ver de novo o contorno da tua boca. Quem sabe quando não estiveres prestando atenção, entretida com alguma coisa séria, dessas com as quais te ocupas numa vida de conveniência. Quem sabe roube de canto de olho a ciência do contorno da tua boca que não diz palavra. Impassível sempre imóvel, impertencente, inútil, desvalida. Devo me permitir quebrar a lei que impões. Afinal já tenho os ganhos do contratempo. Passou demasiado por listas de compras, datas dos outros, finais de novelas. E tudo isso nos distraiu do que queríamos. Então devo me apropriar do pouco que não tens como não desfilar por aí para os olhos de todos os teus ninguéns. Meus olhos também o são mas foram teus e, portanto, merecem ser um pouco ladrões. É o que lhes cabe agora depois dessa imensa soma de 3650 dias perseguindo a lua que nem estava lá. Bem feito! Meus olhos caíram no conto, fizeram de conta que não estavam sabendo pois queriam ver beleza ao menos uma vez. Viram. E se deixaram virar devotos dela. Ela se foi bandeando para outros lados. Então devo fitar uma última vez ao desenho que faz a tua boca, pois é só isso que faz. Não diz palavra, não pode dar definições. Espera. Eternamente espera. E eu ainda espero que a espera dela finde e que finde a  minha comigo assim, finalmente. Não suporto mais esperar. E quem sabe me baste rever as linhas que delimitam a tua boca, feito aparição de qualquer coisa boa que fique.

Necka Ayala
20/11/28

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