Devo
furtar um instante para ver de novo o contorno da tua boca. Quem sabe quando
não estiveres prestando atenção, entretida com alguma coisa séria, dessas com
as quais te ocupas numa vida de conveniência. Quem sabe roube de canto de olho
a ciência do contorno da tua boca que não diz palavra. Impassível sempre
imóvel, impertencente, inútil, desvalida. Devo me permitir quebrar a lei que
impões. Afinal já tenho os ganhos do contratempo. Passou demasiado por listas
de compras, datas dos outros, finais de novelas. E tudo isso nos distraiu do
que queríamos. Então devo me apropriar do pouco que não tens como não desfilar
por aí para os olhos de todos os teus ninguéns. Meus olhos também o são mas
foram teus e, portanto, merecem ser um pouco ladrões. É o que lhes cabe agora
depois dessa imensa soma de 3650 dias perseguindo a lua que nem estava lá. Bem
feito! Meus olhos caíram no conto, fizeram de conta que não estavam sabendo
pois queriam ver beleza ao menos uma vez. Viram. E se deixaram virar devotos
dela. Ela se foi bandeando para outros lados. Então devo fitar uma última vez
ao desenho que faz a tua boca, pois é só isso que faz. Não diz palavra, não
pode dar definições. Espera. Eternamente espera. E eu ainda espero que a espera
dela finde e que finde a minha comigo
assim, finalmente. Não suporto mais esperar. E quem sabe me baste rever as
linhas que delimitam a tua boca, feito aparição de qualquer coisa boa que
fique.
Necka
Ayala
20/11/28
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