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segunda-feira, 24 de junho de 2019

Ela


Somente ali – será que seria somente ali? Ela entregava o primeiro olhar do dia ao primeiro raio das manhãs, lá pelas 6 horas — o céu se enrubescia e era lá pelas 6 horas, todos os dias. O céu corava e, assim, somente assim, seus olhos podiam ser um pouco coloridos em vez de negros. Somente ali naquela hora, naquele fogo fátuo, naquela cena, naquela varanda. Depois que o céu se acomodava no azul confortável, ela saía, ia, consumindo ponteiros e esperando a noite. Somente lá, naquela varanda, é que ela entregava os olhos ao subir da lua. Esperava o carro dar a volta ao mesmo tempo em que a lua anunciava que viria. Era desse modo o encontro do branco da camisa com o branco da lua; era somente assim que o lampejo dos vagalumes em torno do poste na avenida, combinava com o tremer rápido que se dava nos corpos. Tudo combinava, era afinado, era perfeito e não havia quases. Era. Era a viagem do tamanho do céu com a idade do tempo; era a comunhão mútua de águas fluidas; era somente ali, será? Será que nunca mais seria ela, ela? Toda ela? A taça e o gelo a um mesmo instante não mais vazio? Será que seria somente naqueles tempos, naquele ano? Seria agora uma lembrança vaga de si mesma? Passaram muitos anos, muitos. Tempo demais. Um dia ela deu-se conta de que há somente uma morada para a verdade. A verdade só existe num único endereço, numa única situação legítima. E é dentro, nas profundezas onde falta o ar de tanto que a verdade adensa. A verdade custa caro porque vale o que custa. E só aceita habitar a um único espaço e é dentro, na célula-mãe da alma: o coração inteiro ou quebrado, mas nele. É como ela era. Somente ali. Naquela varanda por onde passavam todos. Diante daquele levantar às 6 horas para os primeiros raios. Diante daquele enluarar de pano, diante daqueles insetos iluminados. Não mais seria. Nunca mais. E essa agora era a verdade, é. Sem quase.

Necka Ayala
25/06/2019
CLSW, 105 ap 160 bloco C.

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