Ninguém
perguntou. Talvez não interessasse. O que sempre importou foi a cena em si. A
aceitação do pedido, o sim que não oferecesse resistência. Que fosse logo de
uma vez, empunhando a arma com a qual disparava direto em seus peitos. Uma arqueira
infalível. Ninguém pesava o quanto lhe custava ir.
Só que o próprio
peito também se atingiria, quando fosse. Dentro, o que havia parido cada nota,
acorde, poema, se auto reprisava diante dos olhos. Fechados. Ninguém
perguntava. Não interessava. Que fosse! Que cada um fizesse sua visita ao
próprio passado ou bebesse mais um gole da própria dor. Desde que houvesse
palco.
Era o palco. Eram
a plateia. Das mãos precisas saía a cama por onde se deitavam as palavras.
Olhos escancarados e ouvidos atentos, sempre mais, alheios. Era raro – não desperdiçariam
um segundo daquela aparição. Não continha um segundo daquele derrame, não
podia. Jorrava, bebiam. Sangrava, comiam. A pura carnificina. O justo escárnio musicado.
Que fosse!
Era só isso que
queriam. Nem se constrangiam. Não questionavam, não interessava. Nasceu para
isso, que faça! É dom? Que honre! É do mundo, que entregue! Publicou, perdeu.
Pediam, mais. Exigiam, vai! Levantava e ia quando não havia palavra ou fuga que
os dissuadisse. Que fosse!
Quanto mais
cedia, mais reprise, mais perda desfilava, mais partos, partidas, mais esse
adeus. Mais setas, mais luares murchados, estrelas caídas. Nem se importavam.
Pagavam a conta e iram embora satisfeitos, enfastiados de emoções plurais, as
suas. Pensando talvez como seria carregar o dom que tinha. Se iam dali com suas
recordações e justificativas. Ficava só com os próprios escombros. Recolhendo
dali o que não encontrava mais paradeiro, destinatário, finalidade.
Já haviam comido
a carne, bebido o sangue e deixado o corpo. Jazia ele prostrado diante de si
mesmo no silêncio gentil de quem amara. Fora.
Uma outra vez
havia cedido. Acreditado. Não era. Nem tinha perguntado, não interessava se era
verdade. Precisava. Queria. Ia. Se acabasse por se converter em fantasia,
vestiria. Que fosse muleta? Usaria. Era.
Uma outra vez
havia aceito. O banco alto ajudava a sustentar pernas abandonadas. Os braços
definidos abraçavam aquele corpo de madeira e cordas e era o que lhes restava.
A vastidão da arte. A dimensão do espaço quando vazio. A imensidão do tempo que
não passa. Horas longas. Lentas. E o tempo continuava passando - para trás - somente
quando fechava os olhos. Reprises. Cenas, fotografias. Profetisa da própria
desgraça, todos os poemas voltavam a servir. Serviam. Sua alma sobre a mesa
exposta e entregue às garfadas. A fome dos outros. A sede. A solidão.
Ninguém
perguntou. Era irrelevante. Não contava. Não previra. Apenas estava ali. Noite.
Conhecidos. Amigos poucos. Gente. Público. Pública. Palco. Plateias.
Insistências. Resistira. Desistira. Fora. Que fosse! Nada importava mais,
afinal. Nada.
Necka Ayala - 14/05/2013
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