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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Emoldurada

...Ela havia guardado na moldura da janela, no topo da árvore, as coisas que não tinham lugar naquele tempo. E ficaram lá as trocas de formas das luas distantes. Ficaram feito um quadro cujo valor somente a posteridade calcularia. Deixou passar a hora exata, a noite que escapou das garras do destino, única, de um janeiro qualquer que nem lembrava. Uma breve oportunidade perdida. Na volta havia acendido a uma vareta de cheiro, sorvido o pouco do perfume que pudera roubar para si e sabia que iria amanhecer evaporado dela. Naquela única madrugada, não dormiu: entregou-se ao contentamento do escape, ao orgulho de ter pulado os muros nem que fosse somente aquela vez. E esperou. Esperou mantendo diante dos olhos, emoldurada, a presença branca prometida para depois. Um dia...um dia...atenta ternamente aos sinais, como se eles mantivessem a promessa em dia. Sentinela deles, eternamente fiéis ao que sentia. Um 13, uma canção destinada, um gosto recém passado pela língua quieta, segredada. Às vezes sorria em silêncio como quem sabe de um regalo mantido em sigilo. Diante do espelho lembrava um pouco e esquecia um pouco para poder suportar a passagem dos anos. A louca que mantinha ao fundo de si mesma os sonhos naufragados, prontos a serem devolvidos à tona. Um dia mudara de endereço e deixara por lá, na antiga morada, a moldura. Já era outro tempo. Sem prever, a lua estava de volta por tudo, por todos os cantos. E havia mais de um topo de árvore, muitas outras fotografias. E já bastava de muros – agora sim, podia dizer-se merecedora do que desejava – tinha esperado o bastante e dela tudo começava a emergir...


Fragmento. Necka. 2013.

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