Julguei que, com as noites estrangeiras, teus
olhos fossem cansando, aos poucos de não se verem mais. Que viriam de volta
como diz lá...”achei que o vento virasse...”. Que sentiriam nas retinas secas,
abandono. Achava que eles, teus olhos, acostumados a desfilarem cores muitas,
quereriam de novo verem-se refletidos, como eram quando se viam a si mesmos
trocando tonalidades. E era lindo te ver vendo aos próprios olhos quando
hospedados nos meus. Julguei também que tuas mãos já soubessem que contornos
são definidos no passar das palmas sobre as encostas. Que nada têm a ver,
contornos, com visões e desenhos, linhas e fotografias, mas mãos! E que as tuas
não se entenderiam com espaços vazios infinitos, desapropriadas de si mesmas,
encarregadas de conduzir apenas bagagens. Como restaram poucas as alegrias de
tuas mãos...como se reduziram a tão menos do que foram? Como interromperam os
traçados que faziam, como furtaram delas seus maneios mais inebriados? Julguei
ainda que teus lábios descobertos de seus gostos, ansiariam por mais e mais
gotas. Que achariam toda graça em provar mais daquilo que lhes atiçava as
vontades. E que teu andar meio tonto, de pernas bambas justificadas, te
levariam além dos pontos, além mares, além céus – de onde não se quer descer
nunca mais. Que tua alma desnuda diante dos raios da lua, te encantasse os
sentidos e achasses sentido em exercê-los liberta. Que tuas faces dispersas
dançassem juntas a um mesmo soar de cânticos celestes, compostos pelos sons da
noite em que eras e tinhas da soma de tuas partes, o todo de ti. Que fosses
tua. Que tivesses a ti mesma inteirada ao romper da manhã. Julguei mais
sedutoras as vestes brancas transparecendo a rua. Mais viciante ter o aroma dos
rios mantido à pele dos dedos nos dias seguintes. Pois bastava trazê-los para
perto para que todas as cenas reprisassem assim, do nada, no meio do dia a dia,
a despeito do resto. Achei haveres conhecido aos mistérios mais sublimes que há
por dentro – entranhas antes encavernadas, postas ao calor do sol que passava
pela fresta. Na delicadeza e na calma de quem percorre os cantos sem pressas,
indo ao ponto mais preciso na hora mais exata, quando fosse inadiável chegar. Pensei
que nos turismos das tuas novas madrugadas, ficassem sem paradeiro os sonhos
tornados solteiros, ímpares, soltos no mundo que só te oferece mais e mais
nuvens sem formas. Tinhas forma. Eras forma. Forma de brandura quando brandura
se encaixa perfeita em seu invólucro sagrado. Forma de leveza quando leveza
acomoda as folhas descansando sobre outras. Forma de clareza quando é clara a
extensão do sorriso que abres e que cabia largo em tua boca pequena. Imaginei
que aprenderias a manter acesa a chama daquilo que te aquecia, somente porque
havias aprendido a amar à própria existência aquecida. E temias aos frios que
te desconfortavam. Supus que quisesses alastrar ao fluir tranquilo e raro das
tuas águas e, assim, dares mais vida à vida. Que jamais fosses represa depois
de teres sido fonte. E que apreciasses ver dali brotarem novas as coisas que
regavas. Até pensei que estivesses orgulhosa de teres achado em ti uma tarefa
dada pelos Deuses mais mansos: tarefa de exercer ao máximo a função do coração
que pariste. E que sentias felicidades ao vê-lo pular, ainda que fora de ritmo,
faceiro por encontrar a si mesmo pulsante, febril, ansioso por mais vida a ser
enviada dele ao resto do teu corpo. Como eram lindos teus olhos caídos, tua
boca entreaberta, tuas mãos entrelaçadas ao que buscaram para si. Como era
lindo ver-te encontrada pelo destino amoroso, reconhecida pelo olhar que eu
guardara e tinha somente teu nome desde então. Só teu nome nos meus lábios. Só
teu nome na minha mente inquieta que se apaziguara com o resto de mim
sobrevivente. Só teu nome inscrito nas linhas das minhas mãos quiromantes. Só
teu nome, nada mais. E era grata por ele, por tanto que ele representava. Era
cura e redenção, era asa que decolava e pousava de volta trazendo consigo ares
de todos os ares, lembranças de outras cidades para a minha cidade, onde
estavas tu. Julguei ter sido em meus espelhos negros que viste tua mais bela
imagem e, que dela, fosses te seduzir irreversivelmente. Que nunca mais
abririas mão de ver-te assim, tua refém e seguidora, tua dona e mãe da própria
alegria. Porque a mim bastava abrir os olhos no despertar matutino daquela
noite sem cortes, para que viver tivesse sido feliz para todo, todo o sempre.
Necka. 15/10/2013
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