Talvez
tenham tremido as paredes internas que tinha, por ter sido a vez primeira
daquele enfrentamento. E lembro que a sensação era, a um mesmo tempo, de surpresa
e de temor. Temia que o tempo não parasse e precisava que sim, urgentemente.
Eram décadas contemplando com os mesmos olhos nascidos negros, ao negro que
lhes entornava. Eram centenas de dias perdidos, manhãs quebradas, tardes longas,
noites tontas. E vinha certa de que aquilo era assim mesmo, um desvario dos
deuses contrários, uma carnificina de corações sem paradeiro. Mas ali, diante
da beleza que se desnudava e exibia luz sobre luz sobre cor sobre o céu que
pairava ao fundo da cena, tremi. Era claro ao fim de tudo. Contra o verde,
refletiu-se somente o ponto fixo escuro do meu olho - pequeno. E entendi que
nem todas as coisas sobre a terra tratavam daquilo. Havia, para além das
fronteiras sulistas, o encontro das águas, as terras vermelhas, outras cidades.
E a beleza que desfilava diante de mim, causava espanto, causava mais e mais
tremor – eram minhas profundezas se revirando, movendo tudo que havia
naufragado, deixando emergirem tesouros perdidos dos quais nada sabia. Dali em
diante, nada mais nunca mais foi o mesmo. Não fui. Ninguém havia me dito que a
Beleza resgata de nós tanto navios quanto asas. Nem que ela percorre desde o
fundo do fundo de nós até às alturas, tocando as pontas das asas dos anjos. E
que nos sentimos tanto sereias, quanto querubins quando aceitamos dar-lhes
nossas mãos. Ninguém havia dito a palavra certa. Só sei que nunca mais quis
parar de ser acometida de tremores. Nem posso, simplesmente não posso.
“Me tira
o barco, quebra seus remos, mas deixa o Mar para os meus olhos”. (Citação
SENHOR, Cavalo-Marinho)
Necka.
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