E
pouco me importava aonde estava indo, quantas ruas faltavam, quantas ladeiras a
subir sem fôlego porque nem lembrava que não havia fôlego, sentia mas não
lembrava disso, já que não interessava como ir, mas ir indo apenas. E seguia
sem olhar se vinha o céu ameaçando por cima, se tinha gente me seguindo por
trás, se o mapa estava dentro num bolso qualquer, nem me ocorria saber o ponto
onde estava, se tinha acertado o itinerário, porque não era o itinerário que
contava, mas a ida, a força que movia o ir, ir além, ir indo, um pouco mais
adiante naquilo, sangue correndo nas veias, músculos determinados a cumprir
percurso, não calculando quanto de peso sobre os ombros. E nem me atinha ao sol
a pino, à fome estampada na cara, à gastura dos panos puindo ao ar livre,
sentia que alguma coisa rareava em mim, mas não lembrava direito do que era e
nem me dava conta do quanto faltava, já que tinha a ida e a ida era tudo que me
mantinha indo. E tanto fazia se haveria atalhos, nem queria atalhos – olhava
atenta ao solo contra os pés, a força que tinham tanto o solo quanto os pés,
chocando-se o tempo todo um contra dois, eu contra o tempo, contra o caminho,
comendo chão pelos olhos, indo, indo apenas. Chegar nem passava pela cabeça,
parar, descansar da jornada, somar o percorrido, o ido, mas ir. Sair de onde
estava morta e seguir àquele fio de alguma coisa que sustentava ainda um passo
a mais, um além qualquer que fosse logo ali depois do primeiro passo, não
importava mesmo, juro que não. Que fossem mil ruas de mil quilômetros cada,
milhões de estrelas assistindo a travessia, bilhões de passantes que ficavam
para trás junto à morte do que eu era, zilhões de pedras ultrapassadas e dias e
datas e folhas de calendários e tempos idos, desde que tivesse ido mais além,
indo apenas...
Necka.
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