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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Quando...

Quando for feliz de novo, não receberei à felicidade como quem recebe visita inesperada, mas flor do deserto adormecida, há muito tempo semeada. E não a levarei comigo como coisa adquirida, mas na lembrança constante de quem sai de casa ao passeio breve, sabendo que deixou guardado um tesouro para a volta, mais tarde. Quando for feliz de novo, lavarei bem os olhos para ver somente o que daquele instante for verdade. E manterei ouvidos atentos para compreender melhor o que não dizem as palavras. Felicidade não desfila nem grita: valsa e sussurra, dorme e silencia ao lado de quem lhe dá de comer e de beber e lhe ofereça a mão em contradança. E só estarei, se meu coração inexato for merecedor de tanto. Deixarei que ela sonhe com dias vindouros. Enquanto isso, prepararei terrenos, lavarei vidraças para que entre a luz de um outro dia. Quando for feliz de novo, já terei entendido do que se tratam as chagas de agora, recém abertas por algo que se parecia com ela e não era. Falava poemas furtados, se exibia coberta de máscaras e vestes emprestadas, mas não era ela. Dizia mentiras fartas das quais meu coração precisava - pobre pedinte, adoentado de esperas, tantas, que se deixou levar por esmolas embrulhadas em papéis de presente. Tinha mãos esvaziadas, frio sobre os ombros, pernas tontas e cansadas. E quase foi feliz ainda essa vez.  
De longe, ela esperava, espera... guarda consigo a redenção precisa, o gesto espontâneo e enamorado de quem convida à vida um corpo que cai. Sorri de lado, maneja o tempo, ajeita caminhos, agenda coincidências. Até lá, talvez já esteja refeito meu coração avariado pelos abismos de agora. Menos manco, mais conciso, menos crente, mas um convicto cuidador de si mesmo; talvez já tenha parado de errar e errar, andando a esmo atrás de asas alaranjadas que sequer existem! Pareciam reais e não eram. Mas quando for feliz de novo, então saberei: que a felicidade não bate asas seduzindo a quem é das raízes, mas sopra ventos doces sobre as copas e areja as folhas num bailado movimento. A felicidade não faz aparições nem produz fantásticos espetáculos: ela apenas reside junto, habita a mesma casa partilhando o pão de cada dia, a gota mais pura e entoa novamente, toda vez que anoitece, uma suave e simples canção de ninar.

Necka Ayala
11/12/13


“...venha me buscar, como quem conduz um corpo só ao primeiro abraço...

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