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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Relógios e Coisas Sagradas


7h30. Ponteiros que mostravam que era chegada a hora de todas as chegadas. Hora da meia-luz, do pano branco e brando sobre a pele. Por isso meu relógios. O verde era a menção ao tom do mar à superfície feliz dos olhos. E o laranja lembrava o bater de asas de uma borboleta contra a janela amanhecida daquele primeiro dia — o dia da liberdade que tomaste e depois deixaste morrer. O Santo, o primeiro, coisa de um Natal feliz numa casa onde a verdadeira família reside ainda e o sorriso que abro até hoje lembrando do pequeno dizendo: ó, um Jesus Cristo! Coisas da vida toda. Referências. Minhas! O chaveiro enferrujado da primeira casa; a caixa de lápis de cor que recebi quando menina de uma das minhas “mães”; o travesseiro confeccionado pela rainha do amor, Olinda — ela está ali, nele, quando o aperto contra o peito e chamo pelo nome dela . . . Olinda. A primeira pena do pássaro verde e seu principado feliz! Tudo guardado. A mesa sonhada, o móvel desenhado, as árvores que cabem na mão, os cadernos de receita das antepassadas, o perfume favorito que traz consigo a cada sorver, recordações de um tempo livre e limpo. Não entendes meus apegos. E sinto muito que a transitoriedade extremada tenha te feito crer que a tudo se substitui. Sim, para os que a nada se apegam, para os que não podem ter histórias longas uma vez que tudo passe e nada signifique nada. Não é assim: as coisas, quase todas, têm importâncias caras e são tesouros. Nas horas em que não há ninguém ali, nos momentos em que dar-se conta da realidade nos abate . . . é aí que as coisas voltam a ocupar espaços e devolvem o sentir para dentro. As músicas foram trilhas de toda uma história. E as coisas, partes dos cenários dessa mesma história. Raízes! Formar raízes! Ter onde pousar depois dos vôos e como se manter firme no solo em meio às tempestades: para isso existem as raízes. Para fecundarem a terra onde queremos que dê fruto. Para os benefícios, para as certezas, para os portos-seguros. História — aquilo que fica quando partimos se tivermos sido alguma coisa de valor. E quem vem a passeio, vira passeio, não deixa a nada, não é, não fica, não frutifica — passa. Por isso meus relógios, minhas árvores, minhas coisas sagradas que, certamente, não irão comigo. Eu irei com elas pela eternidade que me compete.

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