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quinta-feira, 8 de junho de 2017

Caça a Raposa (João Bosco e Aldir Blanc)


Caça, tenta, procura a luz e nada se acende, nada. Quer encontrar pistas, vestígios que provem que há mais por trás daquela coisa toda nova, assim, distante, sem mais enlouquecimento. Como assim? Como não há mais? Como se perdeu, por quem, qual o nome, onde mora, quem é? Quando aconteceu? Quanto? E caça mais. Quer achar a presa que prendeu os olhos que saíram de onde estavam antes e eram seus. Caça. Procura descobrir inutilmente a foto que revele a verdade que nega e nega de tão clara. Precisa negar. Não pode arcar com o tamanho das malas sobre os ombros, todas com etiquetas com o mesmo sobrenome – não, não pode ser que tenha se dado o corte por mãos tão próximas das quais é devota. Nega. Nega que assim seja, que assim tenha sido, que tenha sido tão feliz e brevemente. Busca traços daquilo que recebia antes. Mas foi antes. Agora vaga batendo cabeça atrás de respostas e não faz ideia de onde estão, que respostas são, que cara tem, como se dizem. Perdeu-se quando deixou que o alheio adentrasse seu templo sagrado e nunca mais acreditou. Agora caça. Caça prece que funcione, palavra nova que convença, caça o terceiro elemento que tenha definido o jogo que não lembra mais como se joga. Faz tanto tempo! Tanto! Perdeu tanto tempo, todo! Fez tanto estrago, secou de tal modo que não viu seu arco atado às mãos sem munição alguma. E ainda assim segue indo, caçando o que não vê e teve. Como era mesmo ter? Sabe que era bom. Era bom ter o calor, os olhos vidrados no que eram seus traços, as lentes sobre a cena. Era bom o cansaço do outro dia, as pernas tontas, as lembranças assaltando o meio-dia. E a curva na volta para casa, a varanda ocupada e a cama feita. Como era mesmo? Como era ser feliz? Agora vaga apenas, sem que nada a espere. Ninguém. Tanto viveu trechos e mais trechos, que perdeu o fio da meada. Perdeu-se de si mesma. Errou ao poder tanto tempo com tanto tempo sem. E agora colhe a isso. Agora vê que aqueles olhos não a fitam mais, são de outros olhos não seus. Onde estão agora? De quem são? Quanto fotografam, quando? Qual dessas noites em que se foi dali foi sua perdição? Não sabe. Não pode afirmar, por isso caça ainda. E vai caçar para sempre até que saiba, veja, chore e adormeça.

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